Na semana que passou comecei a ler um livro que estou gostando muito e não poderia deixar de compartilhar, vejam a capa:
Canalha! é o retrato poético e divertido do homem contemporâneo, um livro de crônicas de Fabrício Carpinejar, veja uma delas:
Os amigos invisíveis
Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade. Mandar
relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.
Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida
inteira. Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos
que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão. Amizade não é
dependência, submissão. Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas
para revisar os rascunhos e duvidar da letra. É independência, é
respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência
diferente.
Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele
ficou chateado por alguma coisa. Diante de ausências mais longas e
severas, cobramos telefonemas e visitas. E já se está falando mal dele
por falta de notícias. Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva? A proximidade
física nem sempre é afetiva. Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um
bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da
simples troca e convívio.
Amigo mesmo demora a ser descoberto. É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade
e discernimento, supera condicionamentos e conluios. São capazes de
brigar com a gente pelo nosso bem-estar.
Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis
na maturidade. Aqueles que não estão perto podem estar dentro. Tenho
amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo
com o frescor de um encontro recente. Não vou mentir a eles ¿vamos nos
ligar?¿ num esbarrão de rua. Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao
distanciamento.
Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam
lembrados. Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para
ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos. Caso
encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez,
a empatia incessante de identificação. Amigos me salvaram da fossa,
amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me
salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me
salvaram de mim.
Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do
Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança,
dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos
em cada etapa de formação. Não estão em nossa frente diariamente, mas
estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as
nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos? Amigo é
o que fica depois da ressaca. É glicose no sangue. A serenidade.
Fabrício Carpinejar